quinta-feira, 29 de maio de 2008

feminino insular

(Lena Gal, Canto da manhã)

quero ser como as mulheres de Lena Gal
tantas mulheres dentro de mim.

deusas camponesas
delicadas mães amigas
sensíveis bordadeiras sensitivas
irmãs cúmplices conselheiras
sonhadoras misteriosas filhas.

sábias dançarinas
a correr com o vento.

mulheres ninfas, mulheres fofas
mulheres jovens e maduras
mulheres fadas, mulheres bruxas
mulheres diversas mas tão iguais
mulheres todas...

ah, quero ser como as mulheres de Lena
na terra da brisa perfumada!

suspiros de concha
pegadas na areia
os risos alíseos
um céu de pensamentos
num olhar infinito.

devaneios de ilha.

o feminino insular
não hermético
desconfiado
isolado
não.

feminino afetivo
comunicante, íntimo
que ao acolher
permite silêncios
respeita espaços e tempos.

feminino
que preserva os mistérios
as paixões singulares
não perturba as saudades
as inquietações da alma.

quero ser feminino insular
como as mulheres de Lena…

segunda-feira, 12 de maio de 2008

Espelho

(poesia de Dolores Mascarenhas Cantera de Campos,
extraída do livro “Serpentinas”, 1998)



Não quero ser outra
quero ser a que sou
olhando-me no espelho.
Por que?
- ando me buscando
pesquisando
descobrindo
em cada côncavo da alma.
Sou rica
nas emoções que sinto –
meus pensamentos de paz.
Tenho identidade – ternura – sonho
vontade de voar.
Nem sempre me reconheço –
as imagens deformam
o contorno do coração.
Quando os olhos parecem calmos
existe um vulcão no meu silêncio.
E o riso –
a luz que cintila na lâmina prateada?
- é a ânsia de abraçar
sentir-me humana
confiante
bela –
o amor fluindo do sorriso
e eu – sendo eu...



Dolores Mascarenhas Cantera de Campos
Nasceu em Bagé/RS. Poeta. Fez seus estudos na terra natal e no Rio de Janeiro. Cursou o Instituto de Belas Artes, diplomando-se em História da Música, Harmonia e Piano. Tem poemas premiados. É autora dos livros Poesias (1944), Carícia (1954), Malacacheta (1981) e Serpentinas (1998). Seu quinto livro, Círculos, tem publicação prevista para este ano.
E também é minha avó!

sábado, 3 de maio de 2008

Hatoum em Porto Alegre


Foi muito bacana, na semana passada, o bate-papo com Milton Hatoum na Livraria Cultura de Porto Alegre, mediado pelo Luís Augusto Fischer (e que contava na platéia com a presença do Veríssimo). O encontro se deu por ocasião do lançamento do novo livro do escritor amazonense, a novela Órfãos do Eldorado (Ed. Companhia das Letras). Hatoum falou, entre uma porção de coisas, sobre seu processo criativo, caminhos e escolhas literárias, influências iniciais, o encontrar seu próprio estilo e sua própria linguagem, o papel dos mitos na sua narrativa, sobreviver como autor (escrever pelo menos 30 livros, como aconselhava Jorge Amado, para se poder viver de direitos autorais? Complicado...), o tema da Amazônia e de Manaus, tão presentes nas suas obras, e a vontade, agora, de um distanciamento, seguir por outras trilhas.

Confortante, para quem escreve, escutar Hatoum falar da eventual sensação de inutilidade quanto àquilo que se está fazendo, a escrita literária (o mesmo valendo para a escrita ensaística ou acadêmica, diga-se...). Meses e anos de dedicação a algo que para as pessoas é invisível... sensação ingrata de não-trabalho, inatividade. Penso: até que a gestação termine e chegue o tão aguardado e acalentado momento do parto, a publicação, o lançamento; mas então, a perigosa expectativa de algum reconhecimento, seguidamente frustrada. Bem, é claro que Hatoum não foi tão longe (essas não devem ser preocupações de um autor consagrado), sou eu agora que devaneio e remôo pensamentos...