segunda-feira, 16 de julho de 2007

A folha em branco

Raios. Como escrever sobre o Dia dos Pensamentos Fugidios quando se está... precisamente em tal dia? Escrevo agora ou deixo para amanhã? 1 minuto, 3 minutos... 10. Hum, não sei. Ou tento escrever aquele conto da banheira? 1 minuto, 3 minutos. Rabiscos. Formas geométricas. Pequenos triângulos amontoados no canto direito da folha. Pequenos triângulos de ponta cabeça. Triângulos eqüiláteros de ponta cabeça? Hum, deixo para amanhã. Ou para o sábado. Sim, para o sábado. 1 minuto, 3 minutos. Tédio. A mecha de cabelo que se enrola e desenrola e enrola novamente no dedo indicador. Poderia comer alguma coisa... 10 minutos, 15 minutos. A folha, novamente. Ali, imóvel. Intimidante. Vamos lá! Idéias, por favor... 3 minutos. Patético. Outros 3. Vou escrever aquele conto da banheira. Pronto. Aquele conto me inspira bem mais. Risca com determinação O Dia dos Pensamentos Fugidios e escreve em caracteres maiúsculos O BANHO. Eis. Assim que se começa. Um bom título, simples mas instigante. O BANHO. Que tipo de banho? O leitor nem imagina... Vamos lá. Primeira frase. 1 minuto, 3 minutos... 7. Preciso de um copo d’água. Preciso ir ao banheiro. Nossa, preciso lixar esta unha! 15 minutos. A folha em branco. Ou quase. Com triângulos e um novo título. Preciso escrever este conto. 1 minuto. Droga. 3 minutos...

Desisto!

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Gentilezas

Há dias em que as coisas não dão certo e o mundo parece divertir-se às nossas custas. Teorias cósmicas conspiratórias parecem fazer sentido, e pensamos: “eu não deveria ter deixado a cama hoje”. Sucessão de eventos desastrosos, ou a mera seqüência de pequenos fatos desagradáveis – quase imperceptíveis aos outros, mas que tomam vulto para nós. O despertador não tocou e estamos atrasados, esquecemos de comprar pão no dia anterior e sairemos de estômago vazio, vamos abrir a porta e ficamos com a maçaneta na mão, não percebemos a chuva insistente que cai lá fora e saímos sem guarda-chuva (se somos mulheres: nossos cabelos ficarão um desastre e isso não é pouca coisa!), um motorista buzina e nos xinga injustamente... Almas mais sensíveis podem deprimir-se por dias por conta de insignificantes eventos do tipo.

Por outro lado, pequenos gestos – também quase imperceptíveis – podem fazer toda a diferença, num dia que parece fadado a findar de forma desanimadora. Um vizinho que nos cumprimenta sorridente, um motorista que nos dá a preferência, o cobrador do ônibus que nos deseja um bom dia, a senhora ao lado que nos lança um olhar afável. Pequenas gentilezas e cortesias certamente não mudam o mundo: mas é inegável que têm o poder de transformar nosso estado de espírito e iluminar um dia cinza. Elas nos ajudam a redimensionar os eventos, a dar a cada coisa a devida importância (no caso, importância nenhuma); nos fazem recordar do que realmente importa.

Agir de forma gentil e cortês para com os demais, porém, nem sempre é simples. Não é fácil nos desnudarmos da postura defensiva que costumamos adotar para nos sentirmos menos vulneráveis ao outro. Vivemos num mundo complexo e plural, onde as mais diferentes culturas, crenças e ideologias convivem – infelizmente, nem sempre de forma pacífica e tolerante. Num ambiente de insegurança e freqüentemente de violência, tendemos a desconfiar da pessoa ao lado, e talvez com razão. O problema é que a postura de regra defensiva acaba por boicotar novos relacionamentos, restringir os contatos, contribuir para o isolamento. E faz com que não enxerguemos o outro.

Pequenas gentilezas não só não custam nada, como podem ser extremamente gratificantes para quem as oferece/pratica, se pensarmos que aquele simples bom dia ou sorriso pode confortar alguém, tornar mais leve um dia difícil. Do porteiro do prédio ao colega de trabalho, do funcionário da padaria ao nosso vizinho, da pessoa ao lado no ônibus às pessoas mais próximas e que conosco convivem diariamente: o companheiro, os pais, os filhos. Com modestas gentilezas cativamos e somos cativados. De pequenos gestos são feitos belos dias.

(Publicado no site Casa da Cultura, em 11/05/2005; e na antologia impressa Novos talentos da crônica brasileira, vol. 4. RJ: Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2006)

quarta-feira, 4 de julho de 2007

Modismos e rotulagens

Que bom podermos enquadrar os membros da espécie humana em grupos previamente caracterizados e descritos, identificar em nosso colega ou vizinho a pertença a certa tribo, perceber que podemos lhe aplicar um dos tantos rótulos que fabricamos. Fácil, simples. Tranqüilizador. Reduzimos a complexidade do outro e nos sentimos mais confortáveis, seguros. Se quisermos ser gentis com os demais seres humanos e facilitar suas vidas, podemos por livre iniciativa também aplicar a nós mesmos rótulos pré-determinados, esclarecer aos que estão à nossa volta a que grupo pertencemos.

Fazem sucesso novas rotulagens, novas roupagens que nos vistam perante os demais. Os criadores de tendências encontram em nossa sociedade campo fértil onde semear novos termos e modismos, que germinam e disseminam-se de forma espantosa. Afinal, com facilidade enquadramos os demais em um rótulo qualquer, mas não queremos ser enquadrados de forma arbitrária. Queremos ser identificados com aqueles que admiramos, possuidores de características que consideramos atraentes e/ou atuais.

Já estou bem informada da nova tendência comportamental destinada ao público masculino. Não, ser metrossexual não é a coisa mais bacana do mundo. Legal agora é ser tecnossexual, entendendo-se por esse “termo revolucionário” (como definiu um certo site) o homem que “continua carregando o lado feminino aflorado na era da metrossexualidade, mas que dá uma especial relevância aos quebra-galhos da avançada tecnologia que utiliza diariamente”, o que seu criador R. Montalvo definiu como “um ser narcisista e urbano, fascinado pela informática, com um alto nível de vida” (ainda conforme o tal site).

Para fazer par a esse homem - que parece viver sua vida mais em função da aparelhagem tecnológica recém-adquirida do que a usando de forma racional para o seu proveito e o dos demais -, apresenta-se a sua versão feminina, a tecnodiva, a mulher que com naturalidade maneja seus utensílios de última geração, monitora os filhos pelo seu mais novo celular, observa seu rebento brincar na creche através do laptop.

Alguma atenção e esforço impõem-se para demonstrarmos que estamos antenados com o que há de mais atual em termos de moda e comportamento, ou para sermos enquadramos no rótulo que desejamos. Mas o trabalho de absorção de um determinado modo-de-ser pode ser facilitado por sites como o criado por Montalvo, que fornece dicas variadas àqueles que desejam ser identificados, sem hesitação, com o grupo dos narcisistas, consumistas e amantes da tecnologia.

Sim, hoje esses adjetivos são vistos por muitos como algo bastante positivo. Manter relações mais profundas com máquinas do que com nossos semelhantes também. O grau de absorção que tendências desse tipo encontram em nosso meio é considerável, e raro o questionamento a elas dirigido. Os meios de comunicação que transmitem os novos rótulos e modismos de forma irresponsavelmente elogiosa ou mesmo neutra prestam à sociedade um desserviço. Contribuem para propagar a futilidade extrema, a valorização desmesurada do eu. Esperemos que nossos modismos e valores duvidosos sirvam apenas para alimentar o riso das gerações futuras.

(Publicado nos sites Só Cultura, em 21/4/2005, e Canteiros de Obras - Revista Percursos, em 16/10/2006)