quinta-feira, 24 de janeiro de 2008

Um gesto inusitado

Li Sun (Austria/Taiwan; 200703; Open Photo)


São muitas as pessoas, àquela hora, na farmácia. Algumas circulam espiando os produtos, outras esperam atendimento no balcão. O volume de gente aumenta, o ritmo do atendimento é lento. Cresce a impaciência. Todos têm tanto a fazer, cada minuto é precioso. E a pessoa ao lado de repente transforma-se em potencial inimigo – causa de infinitos contratempos jornada afora.

Apóio-me numa perna, troco para a outra, e assim vou. O olhar cansado, suspiro. Eis que um homem, na faixa dos sessenta anos e cuja presença eu não havia notado, estende o braço em minha direção, alcançando-me um papelzinho. Nada diz. Pego o papel desconfiada, pensando “o que este homem está querendo me vender?”. Vejo que ele estende a mesma tira de papel dobrada a algumas outras pessoas. Desdobro a minha já certa do que vou encontrar – um pedido de ajuda, um grito de socorro – e discretamente corro os olhos sobre as linhas.

Não. Não há ali alguma referência a uma condição difícil, ao dinheiro talvez muito necessitado. Há apenas uma mensagem singela, que fala de alegria, de otimismo, de amor ao próximo. Um convite simples a perceber as belezas da vida. Uma cutucada em nossa face defensiva e fechada.

Levanto os olhos ao homem. Ele retribui meu olhar e sorri com o canto dos lábios. Digo baixinho “obrigada”. E algo se transforma: ao meu redor, dentro de mim. Como mágica.

Gesto inusitado.

Não era época de festas, quando o espírito natalino contagia a todos e amor e solidariedade viram palavras de ordem. Era um dia qualquer, de um qualquer mês.

Ah, o poder de um bilhete e um sorriso! E o quanto podem ensinar...

terça-feira, 8 de janeiro de 2008

Pensamentos no 1º de janeiro

© J. E. Möller, 2007


Nenhuma resolução de ano novo debaixo da tibuchina.

Meus pés descansam sobre a grama. A abelha sobrevoa meus arredores. O beija-flor corteja a bromélia, regularmente. As araucárias seguem as mesmas. Imóveis, estes pilares silenciosos, guardiões do tempo, formam minha pessoal fortaleza.

(Sou eu quem as observo ou sou por elas observada? Sinto que não me julgam, mas me compreendem)

Nenhuma resolução de ano novo debaixo da tibuchina.

Meu recomeço este ano é por demais evidente. Uma etapa toda nova. Não requer o fixar de metas, e não aconselha o elencar de desejos.

Nada quero que não sentir, escutar, contemplar. Seguir o fluxo natural da vida. Ao menos por um átimo, precioso instante. Busco a harmonia com a terra, o verde, o ar. E assim com o mundo. É este o mundo que me interessa, ora. Outros mundos hoje me importam pouco. Outras opiniões sobre o viver. Outras expectativas.

Não farei minhas alheias expectativas. Não pintarei meus dias com os tons do devido, do recomendável, do previsível.

Eis uma única resolução a gerar, quem sabe, debaixo da tibuchina.