Que bom podermos enquadrar os membros da espécie humana em grupos previamente caracterizados e descritos, identificar em nosso colega ou vizinho a pertença a certa tribo, perceber que podemos lhe aplicar um dos tantos rótulos que fabricamos. Fácil, simples. Tranqüilizador. Reduzimos a complexidade do outro e nos sentimos mais confortáveis, seguros. Se quisermos ser gentis com os demais seres humanos e facilitar suas vidas, podemos por livre iniciativa também aplicar a nós mesmos rótulos pré-determinados, esclarecer aos que estão à nossa volta a que grupo pertencemos.
Fazem sucesso novas rotulagens, novas roupagens que nos vistam perante os demais. Os criadores de tendências encontram em nossa sociedade campo fértil onde semear novos termos e modismos, que germinam e disseminam-se de forma espantosa. Afinal, com facilidade enquadramos os demais em um rótulo qualquer, mas não queremos ser enquadrados de forma arbitrária. Queremos ser identificados com aqueles que admiramos, possuidores de características que consideramos atraentes e/ou atuais.
Já estou bem informada da nova tendência comportamental destinada ao público masculino. Não, ser metrossexual não é a coisa mais bacana do mundo. Legal agora é ser tecnossexual, entendendo-se por esse “termo revolucionário” (como definiu um certo site) o homem que “continua carregando o lado feminino aflorado na era da metrossexualidade, mas que dá uma especial relevância aos quebra-galhos da avançada tecnologia que utiliza diariamente”, o que seu criador R. Montalvo definiu como “um ser narcisista e urbano, fascinado pela informática, com um alto nível de vida” (ainda conforme o tal site).
Para fazer par a esse homem - que parece viver sua vida mais em função da aparelhagem tecnológica recém-adquirida do que a usando de forma racional para o seu proveito e o dos demais -, apresenta-se a sua versão feminina, a tecnodiva, a mulher que com naturalidade maneja seus utensílios de última geração, monitora os filhos pelo seu mais novo celular, observa seu rebento brincar na creche através do laptop.
Alguma atenção e esforço impõem-se para demonstrarmos que estamos antenados com o que há de mais atual em termos de moda e comportamento, ou para sermos enquadramos no rótulo que desejamos. Mas o trabalho de absorção de um determinado modo-de-ser pode ser facilitado por sites como o criado por Montalvo, que fornece dicas variadas àqueles que desejam ser identificados, sem hesitação, com o grupo dos narcisistas, consumistas e amantes da tecnologia.
Sim, hoje esses adjetivos são vistos por muitos como algo bastante positivo. Manter relações mais profundas com máquinas do que com nossos semelhantes também. O grau de absorção que tendências desse tipo encontram em nosso meio é considerável, e raro o questionamento a elas dirigido. Os meios de comunicação que transmitem os novos rótulos e modismos de forma irresponsavelmente elogiosa ou mesmo neutra prestam à sociedade um desserviço. Contribuem para propagar a futilidade extrema, a valorização desmesurada do eu. Esperemos que nossos modismos e valores duvidosos sirvam apenas para alimentar o riso das gerações futuras.
(Publicado nos sites Só Cultura, em 21/4/2005, e Canteiros de Obras - Revista Percursos, em 16/10/2006)
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