segunda-feira, 9 de julho de 2007

Gentilezas

Há dias em que as coisas não dão certo e o mundo parece divertir-se às nossas custas. Teorias cósmicas conspiratórias parecem fazer sentido, e pensamos: “eu não deveria ter deixado a cama hoje”. Sucessão de eventos desastrosos, ou a mera seqüência de pequenos fatos desagradáveis – quase imperceptíveis aos outros, mas que tomam vulto para nós. O despertador não tocou e estamos atrasados, esquecemos de comprar pão no dia anterior e sairemos de estômago vazio, vamos abrir a porta e ficamos com a maçaneta na mão, não percebemos a chuva insistente que cai lá fora e saímos sem guarda-chuva (se somos mulheres: nossos cabelos ficarão um desastre e isso não é pouca coisa!), um motorista buzina e nos xinga injustamente... Almas mais sensíveis podem deprimir-se por dias por conta de insignificantes eventos do tipo.

Por outro lado, pequenos gestos – também quase imperceptíveis – podem fazer toda a diferença, num dia que parece fadado a findar de forma desanimadora. Um vizinho que nos cumprimenta sorridente, um motorista que nos dá a preferência, o cobrador do ônibus que nos deseja um bom dia, a senhora ao lado que nos lança um olhar afável. Pequenas gentilezas e cortesias certamente não mudam o mundo: mas é inegável que têm o poder de transformar nosso estado de espírito e iluminar um dia cinza. Elas nos ajudam a redimensionar os eventos, a dar a cada coisa a devida importância (no caso, importância nenhuma); nos fazem recordar do que realmente importa.

Agir de forma gentil e cortês para com os demais, porém, nem sempre é simples. Não é fácil nos desnudarmos da postura defensiva que costumamos adotar para nos sentirmos menos vulneráveis ao outro. Vivemos num mundo complexo e plural, onde as mais diferentes culturas, crenças e ideologias convivem – infelizmente, nem sempre de forma pacífica e tolerante. Num ambiente de insegurança e freqüentemente de violência, tendemos a desconfiar da pessoa ao lado, e talvez com razão. O problema é que a postura de regra defensiva acaba por boicotar novos relacionamentos, restringir os contatos, contribuir para o isolamento. E faz com que não enxerguemos o outro.

Pequenas gentilezas não só não custam nada, como podem ser extremamente gratificantes para quem as oferece/pratica, se pensarmos que aquele simples bom dia ou sorriso pode confortar alguém, tornar mais leve um dia difícil. Do porteiro do prédio ao colega de trabalho, do funcionário da padaria ao nosso vizinho, da pessoa ao lado no ônibus às pessoas mais próximas e que conosco convivem diariamente: o companheiro, os pais, os filhos. Com modestas gentilezas cativamos e somos cativados. De pequenos gestos são feitos belos dias.

(Publicado no site Casa da Cultura, em 11/05/2005; e na antologia impressa Novos talentos da crônica brasileira, vol. 4. RJ: Câmara Brasileira de Jovens Escritores, 2006)

2 comentários:

Anônimo disse...

Eu já conhecia o teu texto gentilezas,achei belo e urgentemente apropriado!Beijos
Linney

Letícia Möller disse...

Linney,
foste a primeira pessoa a me escrever no overmundo, e também a primeira com quem me comuniquei por la. E agora me descubro cada vez mais proxima de ti. A internet, quando bem usada, é capaz disto, promovendo belos encontros entre as pessoas.
Falando em gentilezas,
obrigada de todo coraçao por seres assim tao gentil.