quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Retornar e reencontrar(-se)

Potevo spiegare a qualcuno che quel che cercavo era soltanto di vedere qualcosa che avevo già visto? (…) Per me, delle stagioni eran passate, non degli anni. Più le cose e i discorsi che mi toccavano eran gli stessi di una volta, (…) più me facevano piacere.

(Cesare Pavese, “La luna e i falò”)



Era como se nós nunca tivéssemos ido embora.

Aqueles anos, que aqui desfiavam suas estações infindáveis, como que se condensaram num instante. Como um parêntese, que não eliminava a continuidade da experiência. Uma breve pausa, e não uma ruptura.

Era como se tivéssemos estado sempre lá. E a sensação de perda, de que algo precioso tinha sido subtraído para sempre, deu lugar a algo diferente.

Quando foi exatamente que a mágica aconteceu? Não quando o avião tocou a pista, nem quando chegamos com o carro alugado e começamos a reconhecer cada esquina. Aí a sensação ainda era outra. A emoção por estar de volta.

Mas a sensação poderosa e surpreendente de que todos aqueles anos tinham se contraído numa pequena fração de tempo começou num momento preciso: quando descemos do carro com as malas e inalamos o ar da cidade. Aquele cheiro que não era especialmente bom ou ruim, mas que era o cheiro que a vida tinha lá. Nunca tinha prestado atenção naquele odor das ruas. Mas era ele que agora fisgava nossas almas a um só tempo, inconfundível. Nossa particular madeleine.

Era como se os nossos pés não tivessem deixado de pisar aquelas calçadas, nem nossos olhos se apartado das paredes de pedra amarela, as fachadas antigas, os cafés elegantes, as livrarias de rua, o comércio pulsante.

Essa sensação trouxe um conforto muito grande, um apaziguamento absoluto, como uma espécie de embriaguez que durou por dias. Não queríamos que passasse.

Era como se a cidade nos dissesse: ainda é tempo. Sempre é tempo de retornar.

Agradeço por ela quase não ter mudado. Por nos permitir reencontrar lugares, fachadas, letreiros, ambientes. O jardim público igual em beleza e cuidado. O Caffè Raphael, extensão da nossa casa, com a dupla imbatível cornetto alla crema e cappuccino. A Palmieri, livraria caótica e de excelente acervo, onde dispendíamos horas explorando as pilhas de livros e negociávamos dolorosamente com nossos bolsos. A Locanda Rivoli, sempre aberta para saciar a fome depois das aulas, com seus antepastos e massas a preço justo. Eu só queria que tudo continuasse na sua forma e lugar devidos, num sentimento absurdo de posse: a cidade não nos traiu, nos esperou imutada.

Retornando, reencontramos e reconhecemos. Mas fundamentalmente, para além do reencontro com exteriores afetivos, reencontramos algo de nós mesmos. Reconhecemos uma faísca que julgávamos perdida. Uma paixão pelas coisas. Um olhar amplo e otimista para o mundo. Uma crença na potência da vida e na potência dos nossos sonhos.

Ao retornar, reencontramos nossos antigos anseios, desejos, ambições e projetos para o futuro. Voltamos a uma época onde tudo parecia possível; nosso potencial, ilimitado. Faríamos grandes coisas, conquistaríamos o que nossas almas ditassem. Sabíamos quem éramos e o que queríamos da vida, e nos realizaríamos plenamente. Não tínhamos dúvida.

Estar de volta era sentir mais uma vez que tudo era possível. Que ainda era tempo. Que valia a pena resgatar nossos sonhos. Mesmo que os últimos anos tivessem nos comprimido contra a parede da dura realidade. Uma doce sensação.

Como era possível que a vida na nossa terra natal nos tivesse estreitado os horizontes, sugado nossa energia vital, ofuscado a crença na possibilidade de ser o que éramos ou o que desejávamos ser? De repente nos sentíamos apenas parte de um sistema, peças de uma engrenagem. Engolidos por uma rotina massacrante, numa ilógica e permanente corrida para sobreviver, vencer, ter. O sentimento de estar eternamente em dívida, sem nunca dar conta, nunca fazer o bastante, nunca ter o bastante, nunca ser bom o bastante.

Para onde diabos fora a confiança em quem éramos e no que queríamos, o sentimento de liberdade para regermos a vida do nosso jeito?

De repente nos sentíamos estrangeiros em nossa própria casa. E o sentido das nossas vidas parecia ter fincado bandeira do outro lado do Atlântico. Aquele recente apanhado de memórias, da vida que ali vivemos um dia, ganhava um peso decisivo, um valor definitivo, impondo sua soberania sobre as nossas raízes. Estar de volta, longe de casa, era agora estar mais em casa do que nunca. A sensação de pertencimento se fragmentava, quase se deslocava. Sentíamos que esse fascinante pedaço de terra no mediterrâneo nos pertencia, e assim a ele também nossa alma, a partir de uma intensa afinidade espiritual, intelectual, emotiva.

Estávamos de volta, mas não iria durar. Nos permitíamos a doce vertigem, mas a sabíamos efêmera. Logo teríamos que fazer as contas com a nossa terra. Cavar fundo e reencontrar, aqui também, algo valioso, nossas raízes mais profundas e autênticas. Reavivar o lugar que é delas de direito, nesse arabesco em que nos transformamos, para encará-las não como um impedimento, mas como algo que de algum modo nos decifra. Lutar contra o retorno de velhos receios, rótulos, pequenezas. Romper o contrato de adesão com o sistema que aprisiona, na tentativa de conciliar as adaptações e concessões da “vida real” por aqui com o resgate dos nossos sonhos e projetos de vida. Só assim, desse lado do Atlântico, poderíamos nos sentir livres para sermos nós mesmos, ou nos expandirmos em múltiplas e ousadas direções. Reconstruir, aqui também, nossa casa e nosso ser.

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Um comentário:

Fanzine Episódio Cultural disse...

“IX CONCURSO PLÍNIO MOTTA DE POESIAS”

A Academia Machadense de Letras (Machado-MG / Brasil) comunica a realização em novembro de 2013 de seu IX Concurso de Poesias. Para receber gratuitamente o regulamento em arquivo PDF, entre outras informações, favor entrar em contato através do e-mail: machadocultural@gmail.com

Obs (PS): O tema é livre.