terça-feira, 30 de outubro de 2012

"Meu primeiro livro"

Estarei na 58a Feira do Livro de Porto Alegre no dia 10 de novembro, participando de painel da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil - RS. Fica o convite!

terça-feira, 23 de outubro de 2012

Andei lendo

Nos últimos meses, andei lendo...

A resistência, de Ernesto Sabato
A linha de sombra, de Joseph Conrad
Per sempre, de Susanna Tammaro
Il nome della rosa, de Umberto Eco
A cor do azul (juvenil), de Jane Tutikian
O quadro na parede (juvenil), de Jacira Fagundes
Os Dublinenses, de James Joyce

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terça-feira, 18 de setembro de 2012

A herança

Minha avó morreu no último inverno, e com ela a casa intacta com os objetos e lembranças acumulados em quase um século de vida. Um ano antes morrera meu avô, mas tudo permanecera inviolado como devido, pois lá seguia firme (ou quase) minha avó, agora patroa absoluta do lar - ainda que em seus devaneios. E enquanto ela estivesse viva, em nada se tocaria.

Por fim, era chegada a hora de enfrentar a casa e seus recantos, as portinhas escondidas e gavetas infindáveis. Os pertences de toda uma vida, aquilo que ano após ano juntamos, por afeto, capricho ou desleixo, deixando às gerações mais novas a tarefa inglória de lidar com o volume monstruoso. Em meio a achados comoventes que embargam a garganta e embaçam a vista (cartas, desenhos, fotos), outros achados pitorescos que divertem (Era a cara dele guardar uma coisa dessas!) e exasperam (Todas as edições da revista desde 1980?). E dê-lhe fitas-cassete de tangos e boleros da vó pululando das gavetas, os esmaltes e cosméticos vencidos há mais de década, os cadernos de receitas, os baralhos de carta, os vestidos de crochê das bonecas das netas. No gabinete do vô, a pasta organizada com os documentos de resgate da história da família, a coleção de moedas antigas em potes de vidro, as centenas de recortes de notícias variadas, a bizarra coleção dos mais horríveis poemas já publicados em jornal, com os quais, sádico, se divertia.

A casa era também repleta de livros, distribuídos por vários cômodos. Os livros da vó, literatura. Os livros do vô, tratados de história natural, teses sobre a origem do universo, volumes de física, muitas obras de filosofia da ciência, ensaios de história, filosofia, sociologia, psicologia, dicionários de todos os tipos. Um mundo que em grande parte acabei por herdar. A vontade era de acolher todos os livros, mas seria fisicamente impraticável. Me vi forçada a fazer um filtro, o que de qualquer modo não evitou que eu chegasse em casa com várias centenas de volumes.

O pequeno apartamento em que moro, onde os livros já se sobrepunham em desordem na biblioteca e pensávamos como fazer para ampliar o espaço e dar conta de ajeitá-los, foi subitamente inundado por caixas e mais caixas da nova herança de papel. E assim, dediquei aqueles dias a uma redescoberta afetiva dos títulos, enquanto removia o pó de cada um com cuidado, e carimbava as primeiras páginas para identificar a proveniência dos livros antes de misturá-los aos nossos. Os livros, enfim, estavam limpos, carimbados e organizados em pilhas pela sala. Faltava o espaço. Os meses passaram, os livros no chão e o pó de novo a pleno. Até que recebemos um complemento de herança, algumas estantes de madeira que estavam dando sopa, e finalmente tudo foi acomodado.

Foram naqueles dias de caos reinante, enquanto tentava organizar os livros por assunto entremeando o trabalho de boas interrupções para folhear páginas e ler orelhas e índices, que eu percebi que não poderia ter recebido melhor herança. Não apenas pelo meu amor aos livros em geral, mas porque dificilmente alguma outra coisa falaria mais sobre meus avós do que aqueles livros. Ao abrir um volume e descobrir as glosas do vô nas margens, os sublinhados, pontos de exclamação, discordâncias, as páginas especiais com a ponta dobrada, era como se o vô se materializasse de novo à minha frente, conversando conosco, discorrendo com paixão sobre seus autores preferidos e sobre os livros que balizavam sua compreensão do mundo. Ao separar as ficções da vó em literatura francesa, anglo-saxã, latino-americana, emergia nitidamente a sua figura amiga e silenciosa lendo na poltrona, fechando o livro quando os netos chegavam, mas com ele eternamente ao seu lado. A vó não tinha a eloquência do vô, era de conversa tímida, raramente falava sobre as histórias que estava lendo. Mas sua leitura voraz e permanente me contagiou para sempre.

Se os objetos que possuímos podem dizer muito sobre nós, sobre nossos gostos e estilo de vida, os livros tanto mais revelam, indicando uma particular visão de mundo, um modo de ser, de pensar e de viver. E os livros como herança são um presente valioso, a memória viva e pulsante daqueles que os possuíram. São a possibilidade de estender ou recriar o diálogo sobre ideias, histórias, conhecimentos e valores com as pessoas que amamos, nos dando a sensação de passar a perna na implacável finitude.

LETÍCIA MÖLLER
Texto originalmente publicado na minha coluna
no site Artistas Gaúchos, em setembro de 2012.

quinta-feira, 28 de junho de 2012

Bastidores de escritor

Em Roma, há alguns meses atrás, fuçava nas estantes da Feltrinelli em busca de algo interessante na seção de escrita e teoria literária. Em meio a dezenas de manuais que pretendem ensinar a escrever boa literatura através de fórmulas simples ou definitivas – e outros ainda que partem de sentenças realmente úteis, como “Recomenda-se utilizar recuo ao iniciar um novo parágrafo” –, acabei por encontrar um volume completamente diferente dos demais.

The secret miracle: the novelist’s handbook (826 National, 2010), que encontrei na edição italiana Come si scrive un romanzo. Manuale di scrittura creativa a più voci (Omero Editore, 2011), é organizado pelo escritor peruano radicado nos Estados Unidos Daniel Alarcón, e apresenta uma proposta interessante e original. Não obstante o título, Alarcón esclarece de saída que o livro não é um manual, propondo-se quanto mais a inspirar, consolar, entusiasmar ou mesmo irritar outros autores, a partir do conhecimento de múltiplas experiências literárias. Para tanto, Alarcón reúne dezenas de escritores, entre nomes consagrados internacionalmente e autores em início de carreira, para deles extrair suas experiências como romancistas, seus gostos estéticos, escolhas, métodos de escrita, rituais e dificuldades.

O volume organiza-se em 7 capítulos temáticos (Leituras e influências; Começar; Estrutura e trama; Personagens e cenas; Escrever; Revisão; e O final), cada qual composto de uma série de perguntas bem específicas. Assim, já na primeira, o livro nos revela o que os autores buscam em um romance (seja como leitores e como escritores), e as respostas são as mais distintas, indo da preocupação com uma trama bem montada e uma história bem contada, com personagens fortes e coerentes, à preocupação estética com a linguagem, com a precisão das palavras e as frases impecáveis, o ritmo e a musicalidade, a voz narrante singular e bem reconhecível, a manifestação de emoções e ideias, uma visão de mundo ou filosofia da existência que rege todo o romance, uma procura profunda sobre si próprio e seu lugar no mundo.

Outros questionamentos também revelam respostas interessantes e díspares, dentre os quais: Existe um romance ao qual você, como leitor, sempre retorna? O que ele lhe ensina? Como você mantém o equilíbrio entre a leitura livre e a leitura estritamente útil ao seu trabalho? Faz pesquisas antes de começar a escrever? Ela lhe ajuda ou pode acabar por limitar sua imaginação? Quanto tempo você leva para terminar uma primeira versão do romance? Que conselhos gostaria de ter recebido antes de começar a escrever seu primeiro romance? Você prepara um esquema da história, e segue-o fielmente? Como decide quem será o narrador (1ª ou 3ª pessoa; narrador onisciente ou limitado)? O quanto você “pega emprestado” de sua vida para construir um personagem? O que torna um personagem irresistível? O que faz com que um diálogo seja bom? Onde você escreve, e o quanto é importante o ambiente em que escreve? O quanto você tem consciência da influência de outros autores enquanto escreve? O que é preciso para que o romance tenha um final satisfatório? Como você percebe que o romance chegou ao ponto em que deve terminar?

A obra nos revela, por exemplo, um Paul Auster preocupado com a paixão e a potência da escrita; que evita ler outros livros de ficção enquanto está escrevendo, dando preferência a livros de história, ensaios e biografias; que tem Dom Quixote como fonte inesgotável de inspiração; que considera a escolha do narrador (1ª ou 3ª pessoa) a maior dúvida com que um escritor se depara, devendo ponderar longamente antes de chegar a uma resposta; que escreve num pequeno apartamento espartano e sem distrações, distante poucas quadras de sua casa.

Ficamos sabendo que Jennifer Egan passou um tempo na prisão para conseguir melhor capturar a atmosfera e as características do lugar; que escreve à mão e velozmente, obtendo uma primeira versão em poucos meses, mas levando anos para aprimorá-la; que não conhece muito da trama da história ao começar a escrever, mas que, acabada a primeira versão, faz um esquema exaustivo para entender o que produziu e auxiliar a revisão.

Um bom diálogo, para Colm Tóibín, antes de tudo tem bom ritmo; para Stephen King, deve soar realístico ao ouvido da mente; para José Manuel Prieto, deve ser inexato e vago como são as comunicações verbais na vida real; para Santiago Roncagliolo, revela o mundo interior dos personagens sem arrastar a narração; para Edwidge Danticat, deve conter argúcia, humor ou imprevisibilidade; para Amy Tam, um bom diálogo não deve ter nada de excessivo, nem tentar a todo custo ser brilhante e arguto.

Stephen King não dá importância para o local onde escreve, Adania Shibli passa o dia escrevendo na cama, sob a luz do sol, Josh Emmons pode escrever em cafés, parques e bibliotecas, até que as conversas alheias se tornem tão interessantes que prefira continuar a escrita no silêncio de casa. Andrew Sean Greer elege alguns livros para ter sempre por perto enquanto escreve, e não acredita em inspiração, só em constância no trabalho (“A inspiração vem quando se põe o traseiro na cadeira e se começa a escrever”).

O livro oferece, enfim, um mosaico variado e divertido que cumpre seu propósito de estimular e consolar o leitor-escritor, além de fazer com que confronte suas próprias experiências e ideias sobre a escrita com experiências e escolhas diversas (esse, o maior ganho com a leitura do livro), evidenciando aquilo que no fundo já se sabia: que não há um único propósito, um único modo, uma única metodologia no processo de escrita de uma narrativa literária como o romance. Não há receita que funcione para todos.

Senti falta de um último capítulo sobre Publicação, que questionasse sobre como ocorreu a publicação do primeiro livro dos autores, se o processo foi facilitado para a publicação dos posteriores, sobre a figura do agente literário (uma exceção, ainda, entre nós), sobre direitos autorais e adiantamento (este tão raro por aqui, embora bastante comum por lá). Embora o volume tenha entrevistado escritores de diferentes nacionalidades ou origens, a grande maioria encontra-se radicada nos Estados Unidos, e ali produz e publica, traço que poderia fornecer uma ideia mais clara sobre o processo de publicação naquele país e as diferenças com o nosso.

As experiências relatadas e os sentimentos revelados no livro, com muita probabilidade, estarão presentes no pensamento dos leitores quando forem se aventurar a escrever seu primeiro romance, ou mesmo daqueles já mais experienciados, quando derem início a uma nova narrativa. Pessoalmente, sinto que quando encarar a empreitada, esses relatos, de uma forma ou de outra, estarão flutuando em minha mente como palavras amigas a não deixar o desespero e o desânimo tomarem conta, e ao mesmo tempo como provocações a não deixar meu olhar comodamente estanque, a lembrar de que vale sempre lançar um outro olhar sobre aquilo que criamos.


Coluna originalmente publicada no site Artistas Gaúchos,
em 20/06/2012
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quinta-feira, 21 de junho de 2012

Inícios


Ernesto Sabato, "A resistência", Primeira carta
(Companhia das Letras, 2008)

"Há certos dias que acordo com uma esperança demencial, momentos em que sinto que as possibilidades de uma vida mais humana estão ao alcance de nossas mãos. Hoje é um desses dias.

E então me ponho a escrever quase às apalpadelas na madrugada, com urgência, como alguém que saísse para a rua pedindo ajuda diante de uma ameaça de incêndio, ou como um navio que, a ponto de afundar, mandasse um último e fervoroso sinal para um porto que sabe próximo mas ensurdecido pelo barulho da cidade e pela infinidade de letreiros que confundem o olhar.

Peço a vocês que paremos para pensar na grandeza que ainda podemos pretender se ousarmos avaliar a vida de outra maneira. Peço a nós essa coragem que nos situa na verdadeira dimensão do homem. Todos, repetidas vezes, fraquejamos. Mas há uma coisa que não falha, e é a convicção de que - unicamente - os valores do espírito podem nos resgatar deste terremoto que ameaça a condição humana.

(...)".

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terça-feira, 19 de junho de 2012

Boa notícia: o Voto Como Vamos, projeto de aplicativo para o Facebook visando a aproximar eleitores e candidatos nas eleições municipais de Porto Alegre, conseguiu obter o financiamento da sociedade civil para ser viabilizado. O projeto foi desenvolvido pelo Porto Alegre Como Vamos, movimento apartidário e independente criado em 2011.

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terça-feira, 12 de junho de 2012

Voto Como Vamos

Divulgando um projeto muito bacana, de olho nas eleições municipais 2012.

O Voto Como Vamos depende de doações da sociedade civil, pelo sistema de crowfunding, para que possa ser implementado. Colabore no financiamento do aplicativo através do site Catarse, clicando aqui. O projeto precisa arrecadar R$ 12.500,00 até o dia 15/06/12. Falta pouco! Apóie!



Sobre o projeto



O que é?

O Voto Como Vamos será uma aplicação no Facebook que vai revolucionar a relação eleitor-candidato. Nele você vai saber tudo sobre as propostas e candidatos das próximas eleições de maneira simples, didática e rápida.
O Voto Como Vamos será implementado primeiramente em Porto Alegre. No entanto, por ter o código aberto, a plataforma pode ser replicável para qualquer cidade que quiser ter uma iniciativa semelhante.

Por que o Voto Como Vamos?

Reclamamos que a política é chata, que só há corrupção, não sabemos o que fazer, mas não agimos para melhorar essa situação. Por isso, construímos esta plataforma para descobrir uma maneira de ajudá-lo e também de nos ajudar a escolher melhor os candidatos nas eleições, tendo em vista que este momento é crucial para a transformação da nossa sociedade.

Como você pode interagir com a plataforma:

1)Se informar sobre o que faz um vereador e um prefeito

2)Sugerir propostas como se você fosse um candidato

3)Conhecer os candidatos que representam o que você quer

4)Comparar as propostas dos políticos que estão concorrendo

5)Confrontar notícias da mídia e opiniões de outros cidadãos com as promessas dos candidatos

Tudo isso para escolher melhor quem vai nos representar no ano que vem.

O que vamos fazer com o dinheiro que voce doar?

Vamos pagar os serviços de planejamento, programação, design e arquitetura para construir a plataforma digital. Todos os outros trabalhos estão e continuarão sendo feitos de maneira voluntária. Para a plataforma estar completa precisamos de R$18.500,00. Se reduzirmos algumas funcionalidades (como a possibilidade de confrontar as notícias da mídia e comparar as suas ideias com as dos candidatos), o projeto pode ser realizado com R$12.500,00. Acreditamos que estas funcionalidades são importantes para que a revolução eleitor candidato realmente aconteça.

Quem Somos?

O Porto Alegre Como Vamos, criador da plataforma Voto Como Vamos, é um movimento da sociedade civil, apartidário, sem fins lucrativos, que pretende ampliar a participação do portoalegrense nas políticas publicas por meio de espaços de interação para a melhoria da cidade. Temos como objetivo elevar os níveis locais de democracia e de qualidade de vida, mantendo um compromisso com o desenvolvimento sustentável e com a justiça social. Somos um organismo aberto, com o dever de acolher qualquer pessoa que com ele resolver interagir.

Os focos da nossa atuação são: Educação Política, Transparência e Desenvolvimento Humano.

Conheça mais: http://voto.poacomovamos.org/

segunda-feira, 28 de maio de 2012

Andei lendo...

Nos últimos meses, andei lendo:

La luna e i falò, de Cesare Pavese;
Shakespeare and Company: uma livraria na Paris do entre-guerras, de Sylvia Beach;
Lobo da Costa: um bardo rio-grandense; org. Benedito Saldanha;
Contos italianos, de Máximo Gorki;
O manuscrito, de Edgar Telles Ribeiro;
Come si scrive un romanzo: manuale di scrittura creativa a più voci, org. Daniel Alarcón.

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segunda-feira, 23 de abril de 2012

Sentimentos incômodos em tempos hedonistas


Há sentimentos que requerem tempos longos. Pedem recolhimento, reflexão, respiro. São sentimentos que parecem obsoletos, nos dias que correm. Não lhes concedemos espaço, não mais os toleramos.

O sofrimento, as dores da alma, a perda, a tristeza, aparecem hoje como elementos estranhos, um pouco vergonhosos, fonte de certo constrangimento. Sentimentos a abafar ou prontamente superar, de preferência a nem deixar emergir, em consonância com um fácil e imediatista “pensamento positivo”, desejoso de afastar tudo o que possa turbar nosso assentado-ser. Numa sociedade marcada pelo individualismo, pela cultura do hedonismo, do consumo e das aparências, é como se houvesse um acordo tácito de não trazer à tona tão incômodos sentimentos.

O espírito do nosso tempo não acolhe bem a expressão do sentimento de dor e de perda e o compartilhar desse sentimento, quando o que importa são nossas vidas individuais autocentradas, nossas trajetórias projetadas ao êxito, à autoexaltação e a um bem-estar conformista. O sofrimento, a dor psíquica, a tristeza, têm sido banidos do meio social e banidos dos sentimentos dignos de serem sentidos e vividos. Numa sociedade regida por um paradigma de utilidade na relação com os outros, enfraquece-se a noção de alteridade e fragilizam-se os laços sociais. Paradoxalmente, exalta-se a existência (própria), ao mesmo tempo em que se banaliza a existência (do outro, sobretudo).

Engolfados pelo hedonismo e consumismo contemporâneos, acabamos por habituar nosso modo de sentir ao atual esquema de mundo, numa padronização não apenas dos modos de viver e se comportar, mas também do modo de sentir e externar (ou não) nossos sentimentos. O sofrimento é visto como perturbação da normalidade desejada e da autoimagem aspirada ou projetada, e passa, assim, a ser cada vez mais objeto de medicalização, tratado com psicofármacos.

Nesse contexto, também o consolo perde espaço, tornando-se artigo raro. À exceção do âmbito religioso, onde talvez o consolo e o conforto ainda sejam mais habitualmente praticados, parece ter havido uma forte redução da capacidade das pessoas de ofertar alento, a qual deveria ser precedida por outra postura em desuso: a de ouvir verdadeiramente. As frases de entusiasmo, de rápida superação, ainda que bem intencionadas, não escondem o constrangimento de quem as profere, e frustram aquele que sofre e que gostaria de não ter minorada a razão de seu sentimento, mas antes de ser ouvido e amparado.

Estas linhas conscientemente amargas não desejam, em absoluto, fazer uma apologia do martírio. Querem apenas refutar a ideia de que o sofrimento por determinadas situações ou perdas configura-se como atitude irracional, incompreensível ou fruto de fraqueza.

Nem todo sofrimento é irracional. A racionalidade pode manifestar-se de diferentes formas. Diante de uma perda, como a perda de uma vida em seu início, dar espaço à dor pela perda pode ser bastante racional, na medida em que sofrer por uma vida que se perde é reverenciar a vida. É reconhecer seu caráter de unicidade e irrepetibilidade. É dignificá-la, revestindo-lhe de significado.

Nem todo sofrimento é fraqueza. Aceitá-lo é aceitar a vulnerabilidade da condição humana, vulnerabilidade que nos faz humanos, sendo ponto de partida para a reflexão filosófica e a produção criativa. Há muita força no sofrimento; é preciso força para aceitar, acolher e lidar com as nossas próprias dores, angústias e incertezas.

Nem todo sofrimento é patológico. A tendência de excessiva medicalização do sofrimento pode resultar numa autolimitação do sentir, além de conduzir à perda da noção de um sentido subjetivo do sofrimento, necessário para o reencontro consigo mesmo, com sua historicidade, singularidade e valores. A progressiva superação da dor e da perda passa pela compreensão ou pela construção de sua significação pessoal.

Acolher os momentos dolorosos com mais naturalidade, e ao mesmo tempo com mais profundidade, é encarar sua vivência e enfrentamento como processos necessários para o reconectar-se conosco, com nossa identidade e subjetividade, com o que de fato importa em nossas vidas.



Porto Alegre, março de 2012.

Publicado originalmente no site Artistas Gaúchos, em 04/04/2012.


quarta-feira, 18 de abril de 2012

FestiPOA Literária 2012



Bom viver em Porto Alegre nestes dias.
5a edição da FestiPOA de 18 a 28 de abril.
Acesse a programação em festipoaliteraria.blogspot.com

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terça-feira, 3 de abril de 2012

Carta da AEILIJ à Exma. Sra. Ana de Hollanda, Ministra da Cultura



Carta da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil, endereçada à Exma. Sra. Ana de Hollanda, Ministra da Cultura

Nós, da Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil, AEILIJ, vimos por meio desta, tornar público o nosso repúdio a qualquer alteração na lei de Direito Autoral que prejudique o direito, garantido pela Constituição Federal, do criador sobreviver com os frutos de seu trabalho.

Embora a versão do projeto de reforma da LDA que se encontra na Casa Civil não tenha sido disponibilizada ao público, a todo o momento surgem notícias na imprensa de que várias formas de utilização não autorizada pelos autores poderão ser permitidas por lei, o que é motivo de insegurança para todos nós. A liberação de cópias integrais de obras para fins “educacionais”, por exemplo, fere o direito do criador, uma vez que, diferente do que tem sido dito, é uma fonte geradora de proventos financeiros para todos aqueles envolvidos no processo, à exceção do próprio criador.

O compartilhamento gratuito de cópias digitalizadas na internet, apesar da boa intenção do usuário, certamente prejudicará as vendas dos livros, como já foi visto na indústria fonográfica. Requeremos atenção especial a este caso, e que qualquer solução apresentada seja antes discutida com os autores, em vez de imposta em forma de lei.

Entendemos que o objetivo deste ministério é incentivar a produção artística e cultural do país, mas lembramos que, para isto, são necessários criadores. Retirada, através da liberação de formas de utilização não autorizada, a possibilidade de sobrevivência através da exploração econômica do seu trabalho, restará aos criadores apenas a discutível alternativa do mecenato (que a História nos mostra, sempre foi um grande limitador da liberdade artística).

Para incentivar a produção de cultura é necessário proteger o autor original. Este é nosso desejo, este é nosso direito.

Atenciosamente,

Hermes Bernardi Jr.
Presidente
AEILIJ – Associação de Escritores e Ilustradores de Literatura Infantil e Juvenil
presidencia@aeilij.org.br
http://www.aeilij.org.br/

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quarta-feira, 28 de março de 2012

Comenda Lobo da Costa

Na última segunda-feira, 26 de março, às 19 hs, em solenidade realizada no Museu Julio de Castilhos, a Sociedade Partenon Literário homenageou um grupo de artistas gaúchos, entregando-lhes a Comenda Lobo da Costa. Tive a honra de integrar o grupo agraciado, por uma inusitada e generosa lembrança da Sociedade e de seu Presidente, o escritor e ativista cultural Benedito Saldanha.

Recebendo a Comenda das mãos do escritor Benedito Saldanha.


Receberam a Comenda Lobo da Costa - Edição 2012: Diego Petrarca (poeta e professor), Elroucian Motta (poeta), Bianca Obino (cantora), Lilia Manfroi (poeta e artista plástica), Jerônimo Jardim (cantor e compositor), José Renato Leão (diretor teatral), Márcio Gobatto (produtor cultural), Vera Salbego (poeta e professora), Alcir Nicolau (escritor), Airton Pimentel (cantor), Aury Hilário (músico), Nestor Monastério (diretor teatral), Landro Oviedo (professor), Ademir Bacca (poeta) e Letícia Möller (escritora).

A Comenda recorda Francisco Lobo da Costa (1853-1888), importante nome da poesia romântica gaúcha do século XIX. Lobo da Costa nasceu em Pelotas, onde faleceu precocemente. Dedicou-se não só à poesia, mas também ao jornalismo, à ensaística e à dramaturgia, e foi membro integrante do Partenon Literário.

Francisco Lobo da Costa

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sábado, 11 de fevereiro de 2012

Bianco

Mi ritrovo in questa bianca solitudine
che sa di vento e di traccie
nel silenzio.

Il cuore si allegerisce
in questa pace improvisa.

Il pensiero non trova confine
nelle ampiezze morbide
dove viaggia lo sguardo.

È poetica la neve,
rissuona di altri tempi e persone
nel paesaggio immobile.

Io resto ferma
come una statua antica di marmo bianco,
le labbra petrificate quale il gelo.

Sono solo silenzio e pensiero
e sogni sfuggenti.
Non mi muovo per niente.

Quasi non respiro.

Voglio stare cosi.


Letícia Möller
Pienza (Itália), 08 febbraio 2012

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