sexta-feira, 14 de setembro de 2007

O dia dos pensamentos fugidios

A Josué,
que decretou naquela segunda-feira
o dia dos pensamentos fugidios.


Quisera pintar este dia de cores enérgicas. Colorir a manhã de dourado, pincelar a tarde, encarnado. Sacudir o azul cinzento que como poeira assentou, como névoa encobriu o dia de tons melancólicos.

O pensamento é fugidio nesta manhã estranha, manhã sombria. Escorre lento como rio lodoso, parece dar o tempo de pegá-lo de jeito. Vã ilusão, aferrá-lo é impossível.

Quisera pensar pensamentos fortes, pensamentos intensos, pensamentos belos. Quisera fixar a idéia precisa, a forma adequada, o baile harmonioso das letras justas, o som cristalino da fala acurada.

O pensamento é esquivo neste dia de brumas, dia velado. É frágil, movediço, ameaça desertar.

Quisera pintar a manhã de cores sonoras, cores ruidosas. O esmeralda do riso, o laranja do brado, despertando as tentativas do pensar.

Mas tanto esmero é grão malogrado. Flagela o pensamento, todo o juízo mortificado, sob soturno manto sepultado.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Foste

Foste,
deixando teu nome ecoando em meu ser,
marejando meus olhos,
Sophia.

Foste,
deixando no ar delicado perfume,
vestígio de roupas antigas, coisas vividas,
que vem visitar minha memória.

Foste,
deixando a presença da tua pele macia,
teu colo, abraço, tamanho aconchego,
onde me esconder do medo.

Foste,
deixando a lembrança da noite distante,
de bobos assombros no escuro do quarto,
só pude dormir quando sentaste ao meu lado.

Foste,
deixando a inútil vontade vazia
de um reencontro, saber como seria,
tudo o que agora não posso.

Foste,
deixando forte em mim o desejo
de conhecer o que foi esta vida,
que hoje assim tão discreta se finda.

Foste, Sophia,
para mim doçura e encanto,
e só o que acalenta meu pranto
é tua secular travessia.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Bom senso (dez segundos de desafogo)

Em tempos de (muitos) muitos para camuflar o nada,
em tempos de exageros a derrotar o que é simples (natural),
em tempos de ruído para espantar o (incômodo) silêncio,
em tempos de opulência para disfarçar a alma (rala),
em tempos de fanatismos a soterrar o razoável (justo) meio,
em tempos de extravagâncias consumistas já normalizadas
a (tentar) calar o tédio que se instaura...

... ah, a falta que faz o bom, o velho senso!